sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Beija Flor

O Beija-Flor

Era uma moça franzina,Bela visão matutina Daquelas que é raro ver,Corpo esbelto, colo erguido,Molhando o branco vestido No orvalho do amanhecer.

Verde-a lá: tímida, esquiva...Que boca! é a flor mais viva,Que agora está no jardim;Mordendo a polpa dos lábios Como quem suga o ressábio  Dos beijos de um querubim!

Nem viu que as auras gemeram,E os ramos estremeceram Quando um pouco ali se ergueu...Nos alvos dentes, viçosa,Parte o talo de uma rosa,Que docemente colheu.


 a fresca rosa orvalhada,Que contrasta descorada,Do seu rosto a nívea tez,Beijando as mãozinhas suas,Parece que diz: nós duas!...E a brisa emenda: nós três! ...


Vai nesse andar descuidoso,Quando um beija-flor teimoso Brincar entre os galhos vem,Sente o aroma da donzela,Peneira na face dela,E quer-lhe os lábios também.


Treme a virgem de surpresa,Leva do braço em defesa,Vai com o braço a flor da mão;Nas asas d’ave mimosaQuebra-se a flor melindrosa,Que rola esparsa no chão.


Não sei o que a virgem fala,Que abre o peito e mais trescalaDo trescalar de uma flor: Voa em cima o passarinho...Vai já tocando o biquinhoNos beiços de rubra cor.

A moça, que se envergonha de correr, meio risonha Procura se desviar;Neste empenho os seios ambos Deixa ver; inconhos jambos De algum celeste pomar! ...



Forte luta, luta incrívelPor um beijo! É impossível Dizer tudo o que se deu.Tanta coisa, que se esquece Na vida! Mas me parece Que o passarinho venceu! ...



Conheço a moça franzina Que a fronte cândida inclina Ao sopro de casto amor:Seu rosto fica mais lindo,Quando ela conta sorrindo

A história do beija-flor.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Para você ganhar belíssimo Ano Novo...

Receita de ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade